O melhor que existe nele

Ele devia no mínimo ter subornado meu porteiro ou colocado câmeras no corredor. Ele nunca errava. Sabia quando eu estava em casa, se havia acabado de chegar, se estava saindo do banho....

Ele incrivelmente conseguia ver o melhor de mim. O tempo todo. Como se só isso existisse e só isso importasse.

Quando batia forte na porta e gritava meu nome de um jeito que às vezes me apavorava, ordenando que eu o deixasse entrar, eu sei que estava vendo o melhor de mim naquela menina que estava do outro lado, sentada no chão e encostada na porta, medindo seu nível de raiva pela intensidade das batidas.

Eu não vou deixar ele entrar.

Não dessa vez.

Ele bateu 5 vezes com a testa na porta antes de dizer que eu iria me arrepender disso, e ir embora. Mal sabe ele que eu já tinha me arrependido.

Foi mais uma daquelas noites que eu passei na sala vendo TV ao invés de revisar a montanha de papéis que havia trazido do serviço. Como eu iria conseguir revisar aquela papelada se não conseguia nem se quer cumprir minhas resoluções de ano novo? Resolução número 1 da lista: deixar ele entrar.

Faziam mais ou menos 3 meses que estávamos nessa mesma rotina. Todas as noites sem falta, ele batia na minha porta e eu não deixava ele entrar. Nunca mudava. Nada. Nem eu. Nem ele.

É por isso que eu sei que ele via o melhor de mim, se não, qual outro motivo teria para não ter desistido até aquele momento?

Ele era tão diferente que deve ser por isso que dentro da minha mente só tinha ele.

No fundo torcia para que a chuva que estava caindo naquela noite fria me ajudasse a dormir, mas não foi o que aconteceu. 

Ainda não tinha ouvido a moto dele arrancar para longe do meu prédio, o que era incomum. Será que ele havia ido apé? Não era possível, mas se eu me apegasse nisso não iria conseguir dormir mesmo, a melhor solução era desencanar.

Nem deu tempo de se quer afastar o pensamento, ele entrou janela adentro, ensopado, não só ele entrou, como trouxe a janela junto também, ele quebrou minha janela!

"Prometo que compro uma nova pra você amanhã, mas você precisa me ouvir, eu não aguento mais esse jogo de gato e rato. Eu corro atrás e  você foge." 

Foi só então que me dei conta do quanto eu sentia falta do seu jeito sem jeito, de como a voz dele acalmava a minha mente e que ouvir ela sem ser gritando pra eu abrir a porta, era tudo o que eu precisava.

"A essa hora você não deveria estar na sua casa tomando um banho quente? É isso que você faz todas as noites depois de esmurrar a minha porta, já é assim faz 3 meses, por que hoje não pode ser igual?" Questionei, com o meu sarcasmo de sempre.

Ele nem se deu o trabalho de me responder, disparou na minha direção e meu deu um beijo. O beijo que eu desejava há malditos 3 meses. 

"Vim tomar banho aqui." Ele disse com um sorriso malicioso entre os lábios.

Eu não conseguia dizer não para o dono do meu coração, e ele sabia disso. No entanto, não podia dizer sim, isso ia contra tudo aquilo que eu vinha dizendo para eu mesma durante meses. Era tudo tão insano. Então resolvi não dizer nada.

Apenas o arrastei pro banheiro.

Eu não posso dizer que depois dessa noite nós resolvemos nossos problemas. Mas parte deles sumiram quando um feixe de luz do sol entrou pela janela do quarto e nós ainda nem havíamos dormido. 

Com o tempo aprendi a ver o melhor dele, assim como ele fazia comigo.

Tem dias que ele faz omelete no café da manhã, outros que nem se quer aparece por aqui.

Eu sou completamente temperamental, viciada em livros, séries e comidas gordurosas. Ele viciado na sua moto e na academia. Ele vive criticando minha forma de me alimentar. E eu, vivo pedindo para que ele corra menos. 

Não importa o que façamos, não importa as brigas que tenhamos, ele sempre vai ver o melhor que existe em mim e eu vou ver o melhor que existe nele.